Entrevista com o relator da reforma tributária, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR)
Patrícia Comunello
A proposta de reforma tributária da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a ser conhecida até fim de fevereiro, deve prever até cinco alíquotas do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com incidência nacional sobre produtos e serviços finais. O IVA unifica cinco impostos atuais. A proposta deve contemplar a extinção de nove tributos (ICMS, ISS, IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins e salário-educação). O deputado relator da comissão, o economista Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), garante que não haverá aumento ou redução da carga tributária para os brasileiros, situada entre 35% e 36% do Produto Interno Bruto (PIB). O tucano, que liderou as mudanças nas legislações do SuperSimples e Microempreendedor Individual (MEI), admite que a transformação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em Contribuição Social sobre Operações e Movimentações Financeiras (Comfins) – destinado a socorrer o caixa da Previdência e que já tem gente chamando de nova CPMF -, pode até levar ao corte de parte da alíquota do INSS de empresas e empregados (que se desconta todo os meses). Nos cinco primeiros anos de implementação, se realmente a reforma esperada há 30 anos vingar, União, estados e municípios passarão por uma transição. Também haverá forte desoneração de alimentos e medicamentos, que podem ter alíquota zerada, diz o deputado. Outra meta é acabar com incentivos fiscais. Aos 66 anos, 26 anos só de de Parlamento, Hauly está há 70 dias na relatoria da comissão e admite: “Não tem empreitada fácil”, ao projetar que, até agosto, a proposta estará votada. O deputado quer ver a reforma em vigor em 2018.
Jornal do Comércio – Qual é a proposta que o senhor vai apresentar à comissão? Luiz Carlos Hauly – Na tributação sobre a renda, acaba a CSLL e fica apenas o imposto de renda (IR). Não vamos mexer em alíquota. Mais importante é simplificar para gerar melhorias, pois o IR representa 18% da arrecadação, o que é muito baixo no País, perto da média de 30% no mundo. Não mexeremos nos impostos patrimoniais (IPTU, ITR, IPVA, ITBI e ITCMD). Teremos algumas mudanças para melhorar a eficiência na cobrança. Assumi o compromisso com partidos de esquerda em mexer em aspectos da transferência patrimonial. O imposto sobre o consumo é a maior parte do problema e será dividido em duas alíquotas: IVA clássico, que incide nacionalmente, englobando ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins, e o Imposto Seletivo monofásico (a ser pago uma única vez) sobre 10 a 12 itens da economia – energia elétrica, combustíveis, telecomunicações, minerais, transportes, cigarro, bebidas, veículos, eletroeletrônicos, eletrodomésticos, pneus e autopeças. A alíquota será de acordo com a capacidade contributiva dos setores, que já são os mais tributados do País.
JC – O IVA terá alíquota única? Hauly – Não será uma só, serão quatro a cinco diferentes com abrangência nacional. Estamos na fase de discussão disso. Se somarmos os cinco atuais (IPI, Cofins, PIS/Pasep, ICMS e ISS) dá mais de 40% de carga. De acordo com o tamanho do bloco dos setores do Imposto Seletivo, vamos definir o do IVA. Exemplo: se o Seletivo ocupar metade da arrecadação, o IVA pode ser menor do que que o peso da composição atual de tributos.
JC – O que é a Comfins? Hauly – A proposta é transformar o IOF em Comfins, para ser canalizada para a Previdência que enfrenta elevado déficit, pois a arrecadação atual de empresas e empregados não sustenta o INSS.
JC – É uma nova CPMF? Hauly – Se disser que a Câmara vai recriar a CPMF, destrói com a proposta da gente. A Comfins é uma contribuição para financiar a previdência, que hoje é sustentada por impostos e contribuições federais. Esperamos que ela ajude a pagar essa conta, além de reduzir as alíquotas do INSS de empregados e empresas, que podem ser diminuídas pela metade, desde que se compense o valor com a nova alíquota. Não tem aumento de carga tributária, pois retiramos o IOF que incide na base de consumo, que migra para esta nova função, mas vamos aumentar a incidência atual do IOF para mais operações. Para o consumidor será mais suave que embutir no preço dos produtos, como é hoje.
JC – Os brasileiros vão pagar menos impostos? Hauly – Não, não. Para entender a proposta global, é importante atentar para duas regras de ouro: a primeira é que não haverá aumento nem diminuição da carga tributária geral, que vai se manter em torno de 35% e 36% do Produto Interno Bruto (PIB). A segunda é que estados, municípios e União não perderão nem ganharão durante cinco anos. Com base na arrecadação do último ano ou de uma média de dois a três anos, teremos um índice (baseado na receita corrente líquida deduzidas as transferências) do bolo futuro. Ou seja, as três esferas serão sócias em três tributos. Queremos um Brasil grande. Na hora em que entrar o novo sistema, possivelmente em 2018, o País vai crescer a uma média de 5% ao ano.
JC – Vai ter desoneração? Hauly – Para atender a um aspecto mais social, vamos zerar ou ter alíquota muito baixa para alimentos e medicamentos. Não será mais apenas a cesta básica. A ideia é zerar mesmo. Também serão desonerados máquinas e equipamentos para uso na atividade como ativo fixo.
JC – Vão acabar os incentivos fiscais? Hauly – Se somar municípios, estados e União foram R$ 500 bilhões de renúncia fiscal em 2016, e ainda são 23% de sonegação, sem contar a elisão fiscal. Nenhum ente da federação terá o dinheiro só para ele, por isso é possível enfrentar a renúncia. Tratamentos diferenciados como o SuperSimples não mudam.
JC – O que é o Superfisco? Hauly – Vamos criar a supersecretaria da receita estadual, como existe a da Super Receita. O novo órgão reunirá os fiscos estaduais. Tudo será cobrado no destino e acaba a cobrança interestadual. O superfisco estadual terá sede em Brasília, e os governadores vão indicar os subsecretários. A tributação, arrecadação e fiscalização seriam nacionais, e os auditores seriam transferidos ou cedidos para este novo órgão. Tenho conversado com os auditores e eles indicam que darão apoio, pois querem uma estrutura permanente. Também vai precisar unificar carreiras.
JC – Quando o senhor apresenta a proposta e como será a tramitação? Hauly – Devo apresentar em fim de fevereiro e vamos disponibilizar simulação sobre como vão funcionar as novas alíquotas. Também será aberta uma consulta pública. A intenção é votar até o meio do ano, no máximo agosto, para dar margem de fazer as leis complementares até dezembro. Estamos discutindo esta matéria há 30 anos e temos uma proposta que soma tudo que já entrou na Câmara. Reformar o PIS/Cofins (em análise no Ministério da Fazenda) é a mesma estratégia do governo anterior de fazer reforma fatiada, que levou o País à crise e ao desemprego. Quem fizer de novo esse tipo de reforma vai ter de assumir a paternidade da destruição completa do País.
JC – As pessoas ainda duvidam que a reforma sai. O que o senhor diz? Hauly – Vai sair sim. Tenho experiência nisso. Fui relator da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (o Supersimples) e da Lei do Microempreendedor Individual (MEI) e as duas envolveram União, estados e municípios, empresários e trabalhadores. Aparamos arestas com todas as categorias, e é assim que estamos procedendo agora. Fala-se em fazer reforma há 30 anos, desde a Constituinte de 1988, que deu origem à Constituição atual. A dificuldade está na partilha dos tributos na federação. Quem ganha e quem perde. Só que não dá para ganhar e perder, este é o ponto central. Nesses 26 anos que estou na Câmara dos Deputados, dois erros se repetem: como lidar com a partilha e ter textos de reforma com remendos daqui e dali. O problema é que, após a repartição que se conseguiu para estados e municípios em 1988, a União passou a transferir mais despesas e criou tributos como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), IOF e até a antiga CPMF, tudo sem partilhar. O que era ruim ficou ainda pior nos últimos 30 anos.
JC – Há condições de fazer? Hauly – A reforma é uma necessidade imperiosa do Brasil, dos trabalhadores, empresários, prefeituras e estados que estão com finanças arrebentadas. É uma questão de competitividade. É inadiável! O que impede o crescimento sustentável do Brasil é a iniquidade do sistema tributário, que é anárquico, caótico e injusto, com cobrança entre os estados, com guerra fiscal terrível. É errado, pois se cobra cinco tributos – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins – sobre a mesma base, que é o consumo. As outras duas bases tributárias universais são a propriedade e a renda. As três juntas geram a receita de qualquer país. Como o nosso modelo é regressivo, onera-se cada vez mais os mais pobres, que pagam o dobro dos mais ricos, devido à incidência no consumo.
JC – Mas se sabe disso há muito tempo. O que mudou? Hauly – Você concorda em uma coisa? A crise favorece a mudança, não é? A palavra crise sugere oportunidade. O presidente Michel Temer (PMDB) e o da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estão dispostos a fazer, empresas e trabalhadores também. Na Comissão Especial da Reforma, tivemos um bom consenso sobre o texto base. A China resolveu o problema da iniquidade tributária na década de 1980, ao pôr fim aos impostos provinciais. Era uma balbúrdia, como é aqui.
Fonte: Fenacon / Jornal do Comércio – RS – Por: Patrícia Comunello