Reformas da Previdência e tributária são fundamentais para destravar setor produtivo
Reformas econômicas estão diretamente relacionadas com a retomada do crescimento de que o Brasil tanto precisa. É o que sinalizam os especialistas. Foi exatamente esse o tom do painel “A Solvência do Estado Brasileiro e as Reformas Tributária e da Previdência”, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) ontem, reunindo economistas, pesquisadores e empresários para discutir a urgência sobre o tema. Com a reforma trabalhista mais avançada no Congresso, os olhos se voltam para a da Previdência e a tributária.
Há enormes desafios quanto a ambas. A primeira, apesar de estar tramitando na Câmara dos Deputados, deve sofrer atrasos de algumas semanas no processo legislativo, como admitiu o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Já a segunda é tratada como assunto complexo e ainda não foi abordada pelo governo do presidente Michel Temer. Pautada para o fim do ano de 2017, a adequação dos tributos no país pode ser severamente atrasada com os desdobramentos da atual crise política.
Vice-presidente da Fiemg e empresário do ramo biotecnológico, Lincoln Fernandes foi enfático em seu questionamento ao abrir o evento: “Que futuro tem um país que gasta mais com velhos do que com jovens?”. Essa perspectiva inspirou o tom de sua abordagem. Para o industriário, a aposentadoria deveria ser vista como uma garantia de subsistência para aqueles que não conseguem mais trabalhar, e não um rendimento integral para pessoas que ainda têm condições de contribuir. Na proposta enviada pelo governo ao Congresso, o tempo mínimo de contribuição passa a ser de 25 anos para homens e mulheres. O prazo necessário para se ter direito à aposentadoria integral será de 40 anos como contribuinte.
O discurso foi corroborado por Paulo Tafner, economista e cientista político, que se dedica a estudos sobre a Previdência. Segundo projeções do Ipea a partir de dados do IBGE, em 2000, o Brasil tinha cerca de 11 trabalhadores ativos para cada inativo. Se as normas da Previdência não sofrerem mudanças, o panorama para 2060 é de apenas dois ativos para cada inativo, tornando essa balança impraticável (veja quadro).
Na avaliação de Tafner, “estamos sambando à beira de um precipício”. As alternativas são continuar pagando a Previdência e perder a capacidade de investir ou reformá-la para que o país retome seu fôlego. O pesquisador ainda vai além, afirmando que a reforma em tramitação no Congresso só será suficiente a curto prazo. Parecer do relator do projeto, deputado federal Arthur Maia (PPS-BA), prevê que trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho pagarão pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que falta para a aposentadoria. A longo prazo, funcionalismo público, militares e policiais foram alguns dos grupos não afetados pelo texto e corresponderão a grande parte dos gastos. Apesar de se declarar admirador da iniciativa privada e defensor de seus direitos, o pesquisador alerta: “Os empresários têm que saber o que querem, pois têm aparecido nos jornais predominantemente nas páginas policiais, e não nas de negócios”.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Costanzi foi mais um especialista a ressaltar a importância das modificações no sistema previdenciário. “A sociedade e o Congresso têm de entender a urgência da reforma”, afirma. O economista argumenta que pontos básicos, como a implantação de idade mínima para aposentadoria, ainda não existem no Brasil. De 177 países analisados, apenas 13 não colocam uma faixa etária base como condição de aposentadoria. O texto que espera para ser votado na Câmara estabelece idade mínima de 65 anos para os homens e 62 para as mulheres. Servidor, Costanzi também fez um desabafo. “Paridade (com salários vigentes) e integralidade das aposentadorias são inconcebíveis. Eu seria afetado por essas mudanças, mas continuo fazendo a defesa delas”, pontuou.
• Cruzada contra os impostos em cascata
A necessidade de implantação da reforma tributária também foi uma das bases do seminário promovido pela Fiemg. Por não haver uma proposta formal apresentada pelo governo, os especialistas têm mais dificuldades em fazer um prognóstico objetivo. Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, é categórico. “Na maioria dos países ricos, o imposto é sobre a renda. No Brasil, sobre bens e serviços.” Proporcionalmente, isso afeta mais pessoas com menor renda. Além disso, a área produtiva sofre com a cumulatividade de impostos nas diversas fases do setor. Representante da Fiemg no debate, Lincoln Fernandes corroborou o discurso de Castelar e firmou um compromisso em torno da luta por melhores condições tributárias junto aos legisladores estaduais e federais.
Três peguntas para Armando Castelar
Pesquisador da FGV/IBRE
O que falta para a reforma tributária avançar?
A questão tributária é uma enorme areia que está atrapalhando a engrenagem do Brasil. A tributação no Brasil evoluiu ao longo do tempo de uma forma em que os pobres pagam proporcionalmente mais do que o cidadão médio. A tributação sobre setores de produção também é muito desigual. Isso gera uma série de ineficiências e atrapalha a produtividade. Não é fácil mexer (na tributação) porque ninguém quer perder o seu quinhão.
Tributos no Brasil incidem muito mais sobre bens e serviços do que em renda. Como mudar isso?
Isso é um processo progressivo. O Brasil é um ponto fora da curva porque tem uma carga tributária de país rico, com uma estrutura de país pobre. Mas muitas nações estão discutindo isso. O presidente Trump (dos EUA) está lá colocando uma série de mudanças nesse sentido. Na campanha eleitoral inglesa, também está colocado na mesa. A economia está sempre em mudança. Então, reformas são necessárias para se adequar a essa realidade.
Como a indústria será afetada em uma possível reforma tributária?
A questão da cumulatividade de impostos prejudica muito o setor, pois são cadeias longas, com entrada de matéria-prima, fabricação, transferência para outras empresas. Por isso, os produtos intermediários são tão importantes para o meio industrial. Então, obviamente, ela é um dos elos mais prejudicados pela nossa estrutura tributária. Uma reforma que trabalhe com valor adicionado (IVA), que olhe o crédito financeiro, que impeça cumulatividade, que estabeleça uma alíquota fixa beneficiará muito a indústria.
Fonte: Fenacon / Estado de Minas – Por: Matheus Prado