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Estudo apresentado à CAE defende redistribuição da carga tributária entre setores

O país precisa começar a pensar em nova distribuição do ônus de financiar o Estado

O país precisa começar a pensar em nova distribuição do ônus de financiar o Estado entre os diversos setores da economia. É o que aponta relatório de grupo de trabalho criado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para avaliar a funcionalidade do sistema tributário nacional, que foi apresentado ao colegiado nesta terça-feira (24). O documento ressalta que o Brasil é cada vez mais uma economia de serviços, em grande medida apoiada em novas tecnologias e na internet, com atividades ainda não devidamente tributadas.

Coordenador do grupo, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) resumiu os pontos principais do estudo, com diagnóstico dos problemas que tornam o sistema ineficaz e injusto. No relatório, o sistema é descrito como “complexo, regressivo e anticompetitivo”, além de inibidor do emprego e promotor de desequilíbrios regionais. Sobretudo, segundo a avaliação, o modelo se mostra obsoleto diante da nova economia.

– É preciso considerar que quem cresce nessa nova economia, não só no país, mas em todo o mundo, pouco ou nada paga em impostos. Isso porque a base da economia dos novos tempos em nada se aproxima da circulação física de mercadorias, estando, portanto, fora do alcance da carga tributária mais elevada – destacou Ferraço.

No caso do Brasil, ele assinalou que o sistema foi fundado dentro de um contexto em que a indústria de transformação correspondia a cerca de um terço do produto interno bruto (PIB) nacional. Hoje, no entanto, esse segmento corresponde a menos e 12% do PIB. Esse seria um entre outros dados que servem para evidenciar a necessidade de mudanças, não somente no país, diante de sistemas tributários que estão ficando arcaicos.

– Se não há certezas quanto ao futuro da economia e da tributação, a única certeza que se tem é que nada ficará como hoje. Há quem diga que a capacidade de os governos se adaptarem será determinante para sua sobrevivência. Resta, pois, às autoridades brasileiras decidirem se, em relação ao nosso sistema tributário, iremos escrever a epígrafe ou o epitáfio – comentou.

“Teia” de isenções

O objetivo do trabalho, como se esclareceu, não foi apresentar uma proposta de reforma tributária, mas sim avaliar as “disfuncionalidades” do sistema, que deve ser alvo de análise periódica no Senado, por força de dispositivo constitucional. A expectativa é de que o resultado possa subsidiar futura reforma, a partir de esforços da sociedade e do Congresso. A agenda deve incluir necessariamente a redistribuição do peso do financiamento do estado, assim como a “teia” de isenções do regime fiscal tributário brasileiro, defende o grupo de trabalho

De todo modo, houve alerta no sentido de que o país precisa ser “rápido e moderno” para enfrentar as novas decisões. Para isso, o relatório sugere a retirada do sistema tributário do texto constitucional. Como ressaltou Ferraço, passar a matéria para a legislação infraconstitucional “pode ser uma boa estratégia“.

Carga x IDH

O relatório, que teve sua votação adiada, para dar mais tempo aos debates, mostra que a carga tributária brasileira, equivalente a 33,3% do PIB em 2014, está um pouco abaixo da média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas bastante acima da média de outras economias emergentes. O ponto é que essa carga seria muito elevada em relação ao desenvolvimento humano do país, quando se considera o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de nações com o mesmo grau de tributação, como a Espanha (33,2%) e o Reino Unido (32,6%).

Em termos de composição, de acordo com o estudo, o sistema é caracterizado como “dual”, como se fosse dois sistemas distintos. Como exemplo, há o registro de que a Constituição de 88 pretendeu aprimorar a cobrança de impostos, mas cerca de 45% da arrecadação atual vem de contribuições, que estão foram do capítulo tributário da carta.

O dualismo se verifica quando se olha para as empresas, em que um pequeno grupo (cerca de 3% do total) apura impostos com base no lucro real, respondendo por mais 80% da arrecadação, enquanto as demais se enquadram em outros regimes tributários. Outro ponto é que, apesar da variedade de tributos que compõem o sistema, a arrecadação está concentrada sobretudo na tributação de bens e serviços, sujeitando-se mais facilmente às oscilações da economia.

“Compliance” e litígios

Um dos problemas associados à complexidade do sistema seria o elevado custo de compliance, aqueles assumidos pelas empresas para o devido cumprimento das normas e regulamentos tributários. Além do mais, essa complexidade também contribui para o excesso de litígios e ações judiciais, fonte de insegurança jurídica e desestímulo aos investimentos.

Ao focar a regressividade, o estudo mostra que, quanto maior a renda do contribuinte, menor é carga de tributos indiretos, problema reforçado pela pesada tributação do consumo de bens e serviços. Como resultado, os mais pobres pagam duas vezes mais do que contribuem para a renda, enquanto os mais ricos pagam menos do que contribuem. Ao mesmo tempo, a tributação do Imposto de Renda, mesmo sendo progressiva, revela-se menos progressiva em comparação com outros países.

– Essa discussão é importante, por exemplo, quando se consideram propostas de aumento de tributação sobre dividendos, que merecem ser avaliadas, mas é preciso, ao mesmo tempo, alertar para que qualquer mudança que tenha como foco um tipo de tributo isoladamente, sem levar em conta o conjunto do sistema, pode na realidade vir a produzir novas e elevadas distorções e não alcançar o efeito distributivo pretendido – destacou Ferraço.

A cumulatividade, ainda segundo o relatório, penaliza em maior grau a indústria, devido à cadeia de produção mais extensa. Na prática, são maiores os impostos indiretos e o custo financeiro de carregar créditos tributários que não são devolvidos. Também é destacada a incidência diferenciada da tributação sobre as empresas de diferentes setores. Na média, essa carga seria de 15% sobre as receitas, mas o percentual médio seria de 27% nas companhias de serviços públicos, como as fornecedoras de água, eletricidade e saneamento. No extremo oposto estaria o setor agropecuário, com alíquota de 3,4%.

– Como resultado, apesar de responder por cerca de um quinto do PIB nos últimos dois anos, a indústria contribuiu com mais um terço da arrecadação federal, enquanto o setor de serviços paga proporcionalmente menos – acentuou Ferraço.

Desequilíbrio federativo

O resumo apresentado pelo coordenador deu também destaque à questão federativa associada ao sistema tributário.  Antes da reforma que gerou o modelo atual, os estados respondiam por 30% da receita disponível. Hoje, eles respondem por apenas 25%. Os municípios, antes detentores de menos de 30% das receitas, agora controlam 80% do bolo total. Isso explicaria a natureza estrutural da crise fiscal, no momento em que a crise também afeta as transferências federais.

Também foi citada a “guerra fiscal” do ICMS como fator de distorção na alocação geográfica de recursos nas unidades federativas. Na raiz da questão, como explicado, está a cobrança do tributo na origem do produto, e não no destino. O resultado é que as empresas promovem um “leilão” entre os estados, buscando reduzir seus custos tributários. Com isso, observou Ferraço, há uma “piora agregada de todos os fiscos estaduais”.

Foi ainda abordada a questão das transferências que a União, por força de dispositivo constitucional, deve realizar em favor dos estados (e estes para os municípios) a título da chamada compensação da Lei Kandir (isenções dos produtos e serviços destinados às exportações). Mesmo com o advento de emenda constitucional sobre o tema, os coeficientes de repasses ainda hoje não foi regulamentada por lei complementar, de modo que as transferências, como dito, continuam sendo feitos “de maneira torta por meio de medidas provisórias”.

Queda de arrecadação

Mesmo com todos os seus defeitos, o sistema tributário brasileiro tinha a “virtude de arrecada bem”, como ressaltado na apresentação. Mas a tendência expansionista se reverteu a partir da crise última crise mundial, havendo o registro de queda de dois pontos percentuais na arrecadação na proporção do PIB, de 2008 a 2016, quando as receitas voltaram ao mesmo patamar de 2002. Segundos os dados, essa queda está concentrada em três grupos: tributação do lucro, dos royalties e participações governamentais e de todos os tributos indiretos.

Por setor e tributo, os dados mostram queda de 4% na arrecadação federal (sem receitas previdenciárias) entre 2011 e 2016. Por setor, a exceção está nas receitas de “outros serviços”, com crescimento de 4%. O estudo dimensiona o impacto das renúncias fiscais nesse processo: em 2006, as concessões corresponderam a R$ 77,7 bilhões (3,2% do PIB); agora em 2017, o volume equivale a R$ 285 (4,4% do PIB).

No mesmo período, a perda estimada da receita previdenciária do Regime Geral da Previdência Social avançou de R$ 12,3 bilhões para R$ 62,5 bilhões em 2017. Para o próximo ano, projeta-se queda de R$ 50,6 bilhões.

Cinco das modalidades de isenções representam 60% do total, à frente as renúncias referentes ao Simples Nacional, da ordem de R$ 83 bilhões para 2017, seguidas pelas isenções em favor da Zona Franca de Manaus (R$ 25,6 bilhões). Outras se destinam a estimular políticas setoriais específicas, no total de 24 modalidades (automóveis, caminhões, partes peças, por exemplo), devendo alcançar volume de renúncias de cerca de R$ 32 bilhões esse ano.

foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Fonte: Agência Senado

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