Para especialistas, dados de agosto começam a sinalizar expectativa de recuperação
Procura ainda está em linhas de financiamento para exportação, desconto de duplicada e recebíveis
A crise que derrubou todos os indicadores econômicos do Brasil dá, por enquanto, apenas pequenos sinais pontuais de trégua. Alguns setores devem sair mais depressa do atual quadro. Outros ainda fazem ajustes para se manter de pé e sobreviver a dias difíceis.
É o caso de Stela Rizzetto, sócia de um salão de beleza no Jardim Paulista, na zona sul de São Paulo. No último ano, a responsável pela limpeza foi dispensada. Agora, os próprios funcionários cuidam do serviço – uma faxineira faz o trabalho pesado a cada 15 dias. As duas recepcionistas mais experientes foram substituídas por estagiárias e a carga horária foi reduzida. Em vez de três assistentes de cabeleireiro, o salão conta hoje com apenas duas.
“O movimento diminuiu um pouco. Às vezes, cai 10% em um mês, mas se recupera no seguinte. O problema maior foi o aumento dos custos, como salários, energia e, principalmente, os produtos usados no salão, que tiveram alta de 20% desde o início da crise”, revela Stela.
Além dos ajustes na equipe, a empresária renegociou o valor do aluguel do ponto comercial, teve de trocar algumas marcas de produtos e renegociar com fornecedores para contornar a alta das despesas. “Em um momento como este, seria impensável aumentar o preço dos serviços. Os clientes estão sem condições de pagar a mais e simplesmente cortam o que não cabe no orçamento”, diz.
Apesar de casos como o de Stela, que precisou enxugar a equipe para adequar a receita e as despesas sem ter de mexer no preço dos serviços, são justamente as pequenas empresas que mais vêm contratando nos últimos meses. Levantamento conduzido pelo Sebrae, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostra que os micro e pequenos negócios geraram 47,7 mil vagas em agosto, enquanto as médias e grandes extinguiram cerca de 12.500 postos de trabalho.
Com o resultado de agosto, as micro e pequenas empresas apresentaram um saldo positivo de criação de postos de trabalho pelo quinto mês seguido. Nos primeiros oito meses de 2017, os pequenos negócios conseguiram acumular quase 327 mil novos empregos. Já as médias e grandes empresas, ao contrário, eliminaram no mesmo período 182,4 mil vagas.
Estratégia
Para tentar melhorar o faturamento, Stela decidiu incluir mais serviços de estética entre as opções oferecidas pelo salão. Para isso, fez parceria com profissionais que atendem em alguns dias da semana. Receosa, evitou recorrer a linhas de crédito para as reformas que costumava fazer nas instalações todos os anos. Agora só mesmo se for uma manutenção indispensável. “Quem não estiver no azul nos dias de hoje está automaticamente fora, não vai aguentar passar por esta crise”, sentencia a empreendedora, que abriu o salão há nove anos.
A decisão de Stela de oferecer mais serviços no salão de beleza está correta. O consultor do Sebrae-SP Fabiano Nagamatsu explica que, em um momento de baixa atividade econômica como se vê nos últimos anos, os empreendedores não devem recuar, mas procurar formas de retomar mais rapidamente seu fluxo de caixa
Ações de alto impacto
É possível, segundo o especialista, conseguir bons resultados mesmo sem ter condições de fazer investimentos expressivos. Pequenas ações, como divulgações em redes sociais, podem ser um bom começo para quem sofre com a crise. Mas o consultor lembra que há a opção de buscar linhas de crédito para incrementar o capital de giro. “É preciso ter em mente que financiamento deve ser tratado como investimento quando tem o objetivo de elevar o faturamento. Esta possibilidade de obtenção de recursos deve sempre fazer parte do plano de negócios do empreendedor”, comenta.
A falta de planejamento, lembra o consultor, é responsável por boa parte do resultado insatisfatório das empresas, que muitas vezes encerram a atividade com menos de dois anos de mercado. “Muitos decidem empreender, mas não têm cabeça de empresário, não são capazes de cuidar da gestão daquele negócio e ainda se comportam como funcionários”, alerta Nagamatsu.
Por enquanto, a retomada pela busca por crédito ainda pode ser pontual. Apesar de ter havido um aumento na comparação entre julho e agosto, de 4,8%, na comparação entre agosto e o mesmo mês do ano passado a retração foi de 5%, segundo dados da Serasa Experian. A melhora foi verificada entre as micro e pequenas empresas, com alta de 5% na demanda por crédito em agosto na comparação com o volume registrado em julho. Já entre as médias e grandes empresas, as quedas foram de 0,3% e 0,2%, respectivamente.
“As linhas com maior procura ainda são as relacionadas a exportações, desconto de duplicata e antecipação de recebíveis. Ainda não se vê sinal de empréstimos para investimento”, explica Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. Setores exportadores e ligados ao agronegócio são os que têm apresentado o melhor desempenho. Já o setor de serviços e a indústria pesada, diz, ainda enfrentam dificuldades. Na sua avaliação, um sinal mais concreto de melhora na economia só deve ser sentido no último trimestre. Tudo vai depender do consumo das famílias.
Assim como as micro e pequenas empresas foram responsáveis pelo aumento da procura por crédito, também foi este segmento que liderou os pedidos de recuperação judicial. Em agosto, das 172 solicitações, cem foram das micro e pequenas. Na comparação entre julho e agosto, a alta foi de 33,3% (25,5% de crescimento em relação a agosto de 2016). O aumento em agosto, no entanto, não significa uma inversão na tendência de recuo dos requerimentos de recuperação.
Driblando o desemprego
Para contornar a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, muitas pessoas têm procurado começar uma atividade – o chamado empreendedorismo de sobrevivência. Isso fez com que o número de abertura de MEIs (Micro Empreendedor Individual) batesse recorde entre janeiro e junho. Como mostra o levantamento da Serasa Experian, do total de 1.142.641 novas empresas criadas no País no primeiro semestre, 902.290 foram MEIs (10,2% a mais que o registrado entre janeiro e junho de 2016). Só em junho de 2017 foram abertas 145.946 MEIs – recorde para o mês em toda a série histórica.
Marco Antonio dos Reis, diretor do Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria (Dempi) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), também aponta sinais de recuperação nas PMEs. A cada bimestre, a Fiesp realiza a chamada “sala de crédito”, onde se reúnem instituições financeiras e empresários interessados em tomar recursos. Em setembro, a demanda por capital de giro foi de R$ 170 milhões – mesmo volume do período pré-crise. “As empresas já ajustaram o que tinham de ajustar. E o fato é que pior do que está não vai ficar, por isso já há quem esteja se preparando para uma recuperação da economia com a busca de recursos. Os bancos, por sua vez, vêm aumentando a oferta. As pequenas empresas levam vantagem nessa retomada da economia, já que são mais ágeis”, avalia Reis.
Fonte: DCI – SP